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Mostrando postagens de 2014

Ermitã

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                 Era o quinto livro que devorava em menos de uma semana. As páginas amareladas serviam como alimento para sua alma faminta. Engolia cada letrinha com desespero e para que não pudessem fugir.             Preenchia todos os seus vazios e frustrações lendo qualquer história com o final feliz. Por alguns momentos (enquanto estava lendo) podia ser qualquer personagem e viver onde eles estivessem. E ela já tinha sido tanta coisa, até ladra de famosas obras de arte na Itália... E ao mesmo tempo não havia sido nada, pelo menos não de verdade.             Mas não era hora de pensar sobre a sua vida. Estava lendo e nesse exato momento era uma duquesa que vivia na Inglaterra há alguns séculos atrás. Alheia aos bens materiais, apaixonada por um homem pobre e não queria casar-se com quem o seu pai escolhera.             Ela sorriu, não se casaria jamais. Não que detestasse romance, ela gostava, mas tinha certeza de que não se casaria nunca. Talvez por escolha, talvez por

Uma vida amorosa em poema, em prosa

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João bateu à porta. Eu sabia que era ele. Conhecia sua impaciência e a firmeza do seu pulso. Não esperava que viesse, não esperava que estivesse ali naquele momento. Principalmente quando um dilúvio ameaçava varrer a cidade do mapa. Exagero, eu sei. Mas a chuva não dava trégua. Não sabia se fazia prosa Não sabia se fazia poesia Não sabia se doía na alma Ou se compunha uma melodia Cansei desses olhos tristes Eu não sabia se escrevia Numa proeza de sinergia Eu via que tudo morria Levam lágrimas na brisa Não aguentava mais aquela agonia Uma vilania do destino Em nada poderia interferir Fecharia os olhos em zelo Ficaria de joelhos em apelo Juntaria as mãos em prece Acreditaria no caminho que merece Nessa poeira imunda Ao fundo, bem raso, de uma alma profunda Com sóis, girassóis, lençóis Numa estrada inteira sem nós Nesse ínterim sucumbir ao pecado De ser eternamente odiado Ao céu, ao umbral, ao diabo! Um inferno completo idolat

Ao acaso, ao destino

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                       Estava atrasado. Odiava chegar atrasado em qualquer compromisso que fosse, mas o trânsito da cidade estava caótico devido à chuva que caía incessantemente desde o meio dia. Já eram quase 16 horas, deixara a jornalista esperando-o por mais de meia hora. Mas que boa impressão daria para um empresário novo no ramo. Mais do que atrasado estava impaciente. Tamborilou os dedos no volante do carro e respirou fundo. Adorava chuva, mas hoje ela não estava lhe ajudando em nada.             Depois de uns 15 minutos chegou ao local combinado, um restaurante de comidas típicas da cidade. Nada mais apropriado, tendo em vista que sua empresa seria uma loja de produtos regionais, nada alimentício, era artístico. Mas combinava com o ambiente. Desceu do carro tão apressado que esqueceu-se por um segundo da chuva. Além de atrasado e impaciente, agora estava ensopado. Maravilha!             Se pudesse soltar fumaça, ele poderia jurar que estaria fazendo isso agora mesmo.

Esboço

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Era um ato falho de rimar ao encontrar-se e subjugar-se novamente. Absorver todo aquele instante com goles demorados de uma soberba dócil. Não se acostumaria com novas circunstâncias ou com joguetes infiéis do destino. Nem tampouco desperdiçaria seu precioso tempo com tentativas frustradas de fazer-se de novo. Recriar-se dava muito trabalho. Construir cada partícula esmiuçada do seu ser não era nem de longe uma visão agradável. Tornara-se aquilo por uma infinidade de acontecimentos e razões sem quaisquer explicações claras para subconscientes inférteis. Não era nem de longe uma visão agradável modificá-lo ou pelo menos fugia de todas as suas afáveis pretensões. Encostou-se no estofado verde da cadeira, esticou suas pernas a fim de alongar-se e encontrar uma posição agradável. Colocou a mão sob o queixo e perdeu-se novamente. Estava refletindo sobre suas atitudes piegas, esperadas e mal planejadas. Fugia da rotina que submetia a sua inconstância a uma ferocidade quase imperc

Absolvição

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Nasceu numa lápide de flores azuis No dia em que o céu batalhava com o mar Eram flores quase amarelas Do dia pálido que saía da minha janela Era um precipício de luas endividadas Com promessas mal pagas Inescrupulosos galanteios De teoremas e vidas de alheios Teria uma vida abstrata Comandada por dragões promíscuos De uma carreira miserável Em maldade dos seus tormentos Entretanto haveria salvação Ah não! Absolvição! A abolição da enfadonha escravidão O sol lhe traria a libertação Gabriela Aguiar

Enganação

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Pobres e desiludidas mulheres Que carregam no seio aflição O canto da boa nova, doação Serpenteando entre ladrilhos Buscavam o sonho do  esplendor Vinha a cavalo branco, sem vigor Sorriu-lhes o destino atroz No julgamento errôneo e veloz Não adiantava queixar-se Cruel perca de tempo enganar-se Aos bandidos eternos, brutos De pequenos e perigosos frutos Acabou o que nem teve começo Três passos errados e um tropeço Gabriela Castro Lima Aguiar

Alexandre e Valentina

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Alexandre me disse que o coração dos homens é cheio de incertezas, principalmente o dos homens inteligentes que tem muita ambição na vida. Compreendi instantaneamente. Mas fui vaga em minha resposta, disse-lhe apenas que homens inteligentes precisam de quebra-cabeças que não sejam fáceis de resolver. Ele então assentiu e por alguns longos minutos não tornou a falar novamente. Estava submerso em seus pensamentos. Eu não sabia ao certo por onde sua mente fascinante vagava, entretanto, possuía uma vaga ideia do caminho que tomara. Não o ajudaria com mais palavras, deixei que meu silêncio respondesse por mim. Ele era plenamente capaz de compreender o que ficou subentendido, saberia ler com mais clareza a alma de uma pessoa do que se pudesse ler mentes. Ou pelo tentaria. O som estrondoso do silêncio continuou a reinar entre nós. Ele então levantou-se do sofá cor de caramelo, deu duas palmadinhas nos bolsos procurando a chave do seu Cruze, olhou para fora da casa com rosto duro, ain

Esquecimento

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Na tamanha epígrafe do seu zelo Contra fatos de cruel instância Esqueceu-se do atormentado apelo Não havia mais qualquer importância Tornara-se assustadora desde cedo Entoava saudade por toda a sua garganta Criava voluptuosos percursos de medo Depois tudo cobria com uma fria manta Sem bons sonhos no varão da madrugada Os olhos jaziam em rimas juvenis Por dentro não aquiescia, estava gelada Do descontentamento de alardes pueris Sentiu-se da pior maneira enganada Na visão de um sôfrego tropeço Por poucas sílabas desgraçadas Ausente de magia e recomeço Esdrúxulo e pouco confuso Porque em mente sã e teimosa Ribombavam trovões difusos Não poderia ser deveras valiosa Para todo mal e suplício Havia um castigo incandescente Na aflição de qualquer vício Afastar-se de todo tipo de gente Gabriela Castro Lima Aguiar

A apanhadora de sonhos

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Uma velha cabana renegada a sorte do tempo, diriam. Ou talvez a chamassem de casa abandonada com direito a fantasmas assustadores. Mas a única assombração real era o medo de que seu lar fosse destruído e por algum motivo banal a expulsassem de lá.             Ela morava naquela casa antiga há quase três anos. Foi um período difícil. Estava sozinha e carregava no ventre uma criança. Seus pais não entenderam que era fruto de um amor, nem seu parceiro sequer aceitou isso. Ele insistiu para que aquele pequeno ciclo da vida fosse interrompido, mas ela se recusou. Comprou com o pouco dinheiro que tinha a pequena cabana. Para sobreviver produziria e venderia pequenos artefatos místicos, uma coisa que sempre a interessou.             Por ser sua, e em parte por sentir-se como ela, decorou toda a cabana do seu jeito. Transferiram-se os mistérios de uma para a outra. Não se sabe ao certo quem dominava. Escreveu numa parede uma música que representava o caminho mais rápido para o seu inf

Nem tudo é um romance: a construção de Sophia

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Riscaram na minha pele, não sem dor, as asas de um pássaro. O mais estranho é que eu autorizei. E como se já não fosse muita audácia, ainda fiz questão de escolher o lugar. Costela. Esculpiram em mim o que Deus não havia me dado. Estava achando tudo o máximo, talvez fosse só o efeito das drogas que experimentei. Saí do estúdio, que cheirava hospital, tinha uns pôsteres de bandas de rock e algumas mulheres seminuas pintadas nas paredes, com um plástico vermelho cobrindo a vermelhidão da minha pele. Meus pais me matariam, mas foda-se. Eu ia arrumar minhas coisas e morar com uma amiga até meu apartamento ficar pronto. Ao chegar em casa, meu pai estava a minha espera. Ele tinha o dom de adivinhar quando eu aprontava e arrogância de nunca me elogiar quando fazia algo certo. Não lembro direito como ele viu a tatuagem, ainda estava chapada o suficiente quando o cinto veio de encontro as minhas pernas violentamente. Uma, duas, três... Minha mãe que assistira tudo desde o começo pediu

Diálogo bobo

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- Você tirou a sorte grande, gatona!             - Cala essa boca.             - Confessa que me ama.             - Prefiro morrer!             - Olha lá o que você tá dizendo hein?             - Quer que eu repita? P-R-E-F-I-R-O M-O-R-R-E-R             - Eu só posso sorrir disso.             - Faça o que você quiser, só cale essa maldita boca e me deixe em paz.             - Viiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiixe. Tá irritadinha é?             - Vai pro inferno.             - Ora vamos lá, é só você dizer que me ama.             - Deixa eu terminar a droga desse trabalho.             - E aí você vai dizer que me ama?             - Jamais.             - Tudo bem, tudo bem. Vou deixar você quieta. -------------------------------- xxxx-----------------------------             - Você tá tão calado...             - Não foi você que me mandou te deixar em paz?             - É.             - Estou obedecendo.             - E você me obedece desde quando mesmo