A apanhadora de sonhos


Uma velha cabana renegada a sorte do tempo, diriam. Ou talvez a chamassem de casa abandonada com direito a fantasmas assustadores. Mas a única assombração real era o medo de que seu lar fosse destruído e por algum motivo banal a expulsassem de lá.
            Ela morava naquela casa antiga há quase três anos. Foi um período difícil. Estava sozinha e carregava no ventre uma criança. Seus pais não entenderam que era fruto de um amor, nem seu parceiro sequer aceitou isso. Ele insistiu para que aquele pequeno ciclo da vida fosse interrompido, mas ela se recusou. Comprou com o pouco dinheiro que tinha a pequena cabana. Para sobreviver produziria e venderia pequenos artefatos místicos, uma coisa que sempre a interessou.
            Por ser sua, e em parte por sentir-se como ela, decorou toda a cabana do seu jeito. Transferiram-se os mistérios de uma para a outra. Não se sabe ao certo quem dominava. Escreveu numa parede uma música que representava o caminho mais rápido para o seu inferno astral com a sombra da promessa de dias melhores. Principalmente pela criança que um dia viveria ali.
            Com todo o amor do mundo tecia apanhadores de sonhos. Se a realidade era cruel, seus sonhos não seriam, nem os do bebê. Talvez fosse uma rota de fuga numa maneira menos difícil de sobreviver na tirania da vida. Afinal, os sonhos eram formas bonitas de construir seu próprio mundo sem interferência externa dos outros ao redor.
            Um dia, ao voltar para casa, depois da consulta que lhe mostrou esperar um menino, viu um senhor vendendo uns móveis de madeira por um preço muito baixo. Apaixonou-se instantaneamente por uma mesa redonda que com certeza valia mais do que ele pedia. O homem pareceu entender o que ela estava pensando.
            - Não tem mais tanto valor assim
            - Como não? Está em perfeito estado!
            - Olhe aí embaixo – O velho apontou para um lado da mesa.
            Ela abaixou-se e viu escritos nomes banhados pelo juramento de uma eternidade juntos. Achou bonito, mas naquele momento percebeu que aquele elo havia se rompido. A esposa deixara o senhor após um longo período juntos. Ele estava se desfazendo dos móveis da casa porque não fazia sentido guardar lembranças de quem partira seu coração e não lhe traria mais coisas boas. Decidiu que ficaria com a mesa. Pois ela tinha gravado em si marcas do abandono, cicatrizes que também habitavam dentro de Manoela.
            Com o tempo ela desenvolveu o hábito de pegar móveis abandonados e restaurá-los. Uma forma de dar uma segunda chance ao que um dia teve valor para alguém. Agora teriam para ela e para o seu pequeno. Mesinhas, cadeiras, porta-louças, poltronas... Reformava tudo o que podia. Sentia-se renovada ao fazer isso. Era como se pudesse concertar também o que estava solto dentro de si. Uma metáfora pequena, mas que preenchia seus mais degradantes momentos de solidão.
            Hoje, seu filho já conseguia correr pela casa sem tropeçar nos próprios pés, e ela, assim como ele, era dona de um negócio propício. Não lhe dava muito lucro, mas era o suficiente para viver bem e para garantir o futuro da pessoa que mais importava. Restaurava móveis velhos por um preço compatível com o que as pessoas poderiam lhe pagar. Fez muitas encomendas de graça, apenas pelo prazer de ver alguém contente.
            Apesar de tudo o que lhe acontecera de mais desagradável, se sentia feliz. Achava que estava fazendo o certo e ao olhar para sua criança não se arrependia por nenhum momento do que teve que enfrentar por ela. Não sabia sobre os pais, não sabia sobre o antigo namorado. Não interessava. Poderia estar desiludida com os conceitos de amor, mas não estava. Seu pequeno lhe provara que por maior dor que causassem, ainda existiria uma semente de esperança e uma fortuna de amor para ser distribuída a quem precisasse dela.
            Fazia a reparação de uma pequena cadeira branca na varanda da sua casa quando um homem que nunca tinha visto antes interrompeu sua concentração.
            - Desculpe, você é Manoela?
            - Sim. Eu mesma.
            - Vim lhe fazer uma encomenda. Preciso de uma restauração.
            - Que tipo de restauração?
            - Preciso de um apanhador de sonhos- Ele foi bem pontual.
- E isso é restauração?- Ela ficou curiosa.
- É sim. Preciso restaurar meus sonhos bons para ter mais ambição de viver. Qual apanhador você recomenda?
- Este lugar – Ela sorriu.

Manoela não sabia mas ainda veria aquele homem muitas vezes ...

Gabriela Castro Lima Aguiar

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