Alexandre e Valentina


Alexandre me disse que o coração dos homens é cheio de incertezas, principalmente o dos homens inteligentes que tem muita ambição na vida. Compreendi instantaneamente. Mas fui vaga em minha resposta, disse-lhe apenas que homens inteligentes precisam de quebra-cabeças que não sejam fáceis de resolver. Ele então assentiu e por alguns longos minutos não tornou a falar novamente. Estava submerso em seus pensamentos.
Eu não sabia ao certo por onde sua mente fascinante vagava, entretanto, possuía uma vaga ideia do caminho que tomara. Não o ajudaria com mais palavras, deixei que meu silêncio respondesse por mim. Ele era plenamente capaz de compreender o que ficou subentendido, saberia ler com mais clareza a alma de uma pessoa do que se pudesse ler mentes. Ou pelo tentaria. O som estrondoso do silêncio continuou a reinar entre nós.
Ele então levantou-se do sofá cor de caramelo, deu duas palmadinhas nos bolsos procurando a chave do seu Cruze, olhou para fora da casa com rosto duro, ainda reflexivo. Roçou os dedos sobre a barba que estava nascendo no queixo e só depois tornou a fitar-me novamente. Fiquei esperando atônita que me dissesse algo que provavelmente eu não gostaria de ouvir, mas ele apenas sorriu e beijou minha testa.
- Preciso ir agora. Depois continuamos essa conversa.
- Tudo bem. Se cuide! – Eu respondi e então lhe dei um beijo suave nos lábios.
- Prometo que volto inteiro – Ele sorriu presunçoso e foi embora.
Esperei algum tempo para me recompor e levantar do sofá. Minhas pernas tremiam. Não sei porque ainda me surpreendia com isso, ele sempre causava esse efeito. Resolvi que não ficaria pensando sobre o que acabara de acontecer, tinha muitas coisas para fazer e minha prateleira de livros estava uma bagunça! Não muito diferente do restante da casa. Achei disposição em algum lugar e liguei o som no volume máximo, para que a música gritasse mais alto que meus pensamentos. Seria o plano perfeito, se as músicas não me lembrassem ele. Dei os ombros e fui arrumar a casa mesmo assim.
Alexandre tinha o velho hábito de colecionar CDs, uns que ainda poderiam ser encontrados nas lojas e outros que valeriam uma fortuna por não estarem mais disponíveis no mercado. Apesar de não tocar nenhum instrumento, ele possuía um faro refinado para boas canções. Me peguei passando os dedos por algumas peças da sua coleção e relembrando umas músicas aleatórias que marcaram a nossa vida.
Não fazia nem 3 meses que decidimos morar juntos, uma espécie de “estágio”, para uma pretensão maior de união. Escolhemos a casa num condomínio mais isolado, com uma natureza vivaz ao redor para me agradar, mas que tivesse toda a sofisticação para contentá-lo. Nos mudamos há uma semana. A bagunça ainda imperava em caixas espalhadas por todos os cômodos. Fotos, livros, CDs, móveis, objetos nada estava em perfeita ordem ainda. Problemas com falta de tempo, mas se tudo desse certo no final de semana a casa estaria impecável!
Em algum momento fiquei tão submersa nos meus afazeres que perdi a noção do tempo. Já era noite, lembrei-me disso porque tive que acender todas as luzes. Mas não fazia a menor ideia do horário. Alexandre deveria estar muito ocupado ou então achou um motivo para beber e celebrar qualquer gol do Flamengo com os amigos. Muito bonito da parte dele, me deixar sozinha arrumando a casa e sair pra descansar a mente! A raiva começou a nublar meus olhos e resolvi tomar um banho para lavar a alma e deixar escorrer as más energias.
Não sei exatamente quanto tempo demorei, mas quando saí do banheiro Alexandre já tinha chegado e alguma coisa na cozinha cheirava muito bem. Com certeza não fora ele que cozinhara, nunca tinha pegado em uma panela na vida. Se o colocasse para estrelar um ovo tenho certeza que a gema pararia no teto. Me preocupei então com o que poderia estar acontecendo e corri para a cozinha. Me assustei com o ambiente, a mesa estava posta com umas massas que pareciam incrivelmente deliciosas e Alexandre servia duas taças de vinho do porto.
- Quem você matou? – Sorri irônica.
- Quando lhe conheci você era mais romântica – Ele sorriu de volta e me estendeu uma taça – Não posso fazer um jantar pra você?
- Tenho certeza de que não foi você que fez – Sorri pegando a taça- Mas estou adorando isso!
Ele então deu o meu sorriso presunçoso favorito. Deixou a sua taça no balcão, segurou a base do meu rosto com as duas mãos e fez com que eu olhasse diretamente nos seus olhos. Eles estavam limpos e profundos, eu poderia me perder lá dentro. Toda a minha teoria sobre a sua farra mais cedo foi por água abaixo. Alexandre tinha passado o dia comigo na cabeça e era isso que ele queria me dizer agora. Tentei lhe mostrar com meu olhar que havia sido reciproco e ele captou a mensagem, pois no mesmo instante beijou meus lábios de uma maneira delicada, mas com muita paixão.
- Tenho uma coisa pra você – Ele interrompeu o beijo.
- O que? – Eu ainda estava zonza e com raiva da interrupção.
Ele então tirou uma caixinha do bolso. E eu fiquei pasma. Tudo voltou à tona, nossa conversa mais cedo sobre casamento, minha resposta à ele de que ainda era um pouco cedo pra isso, que eu ainda não estava pronta. A irritação que percorreu seus olhos, as dúvidas dele sobre o que eu realmente sentia, os 2 anos que passamos juntos, a maneira como ele saiu de casa mais cedo. Tudo se acendeu na minha memória e eu não sabia como me sentia em relação a isso. Raiva por não ter respeitado minha opinião ou alegria por saber que ele realmente queria que eu fosse sua esposa. Mas no momento, prevaleceu a irritação.
- Alexandre, nós conversamos sobre isso mais cedo e eu acho que ficou bem claro que...
- Valentina, eu sei o que nós conversamos. Só abra a caixa, antes de ficar brava- Ele interrompeu-me e colocou a caixinha em minhas mãos que tremiam.
- Meu Deus, são lindos! – Foi minha reação ao ver um discreto par de brincos de esmeralda, o abracei bem forte – Mas você tá louco? Devem ter sido caríssimos!
- A vendedora me achou muito bonito e disse que eu poderia ficar com brincos de graça – Ele sorriu arrogante e baixou os olhos pra mim – Apenas me diga que gostou e agradeça.
- Seu metido! – Não consegui segurar o riso e nem a vontade de beijá-lo – Obrigada, são lindos e eu adorei!
- Eu te amo – Foi tudo o que eu consegui ouvir antes de me perder totalmente.
O jantar estava maravilhoso, ele não quis me dizer onde havia comprado a comida. Deu alguma desculpa sobre ser o charme da coisa, já que eu não acreditava que ele havia feito na casa de um amigo. Como ele alegou umas trezentas vezes. Fomos para a varanda, aproveitar a brisa do mês de julho e ver se conseguiríamos identificar onde estava a ursa maior.
- Eu pensei muito sobre tudo – Ele disse enquanto segurava minhas mãos- Eu te amo muito e tenho certeza de que só quero você para o resto da vida – Respirou fundo.
- Mas? – Eu falei apreensiva.
- Não existe nenhum mas. Só quero lhe dizer que entendo o quanto é delicado pra você dar esse passo e nós iremos com calma. – Ele beijou minha testa.
- Eu te amo muito e você é incrível! – Não consegui esconder a emoção e chorei com o rosto colado em seus braços. Ficaríamos assim pra sempre.


Gabriela  Castro Lima Aguiar

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