Com certeza não se governam sentimentos



- Eu acho.
            Ela amava dizer. Ele odiava ouvir.
            - Por que você não tem certeza? Você não tem querer não? Desejo de que as coisas aconteçam?
            Ela suspirava. Não é que não quisesse, não que não desejasse. Só não tinha segurança suficiente pra dizer o que aconteceria, na verdade, ela julgava que era impossível prever o futuro, por isso evitava dizer coisas concretas. Não havia um porquê, ou talvez houvesse mesmo, mas não queria pensar muito sobre isso.
            Ele não entendia. E isso o confundia. Sempre tinha certeza de tudo, se queria alguma coisa ele dizia e ponto. Ter medo de que? O importante era ser feliz. E escolher ser feliz era uma opção tanto racional quanto passional. Aquela menina já estava torrando todos os seus neurônios.
            - Você acha que eu tenho algo a esconder de alguém?
            - Não. É só que...
            Ela não sabia como terminar a frase. Na verdade, até sabia sim, mas não queria que suas palavras tivessem sentido. Tinha medo. Medo de querer demais e se frustrar depois. E inventou o “eu acho” como uma válvula para escapar dos perigos. Construíra um muro blindado sobre si e agora que alguém tentava derruba-lo, ela sentiu que não era tão forte assim. E por incrível que pareça, gostou disso.
            Ele sorriu. Já tinha entendido alguma coisa. Ela não falara, mas ele podia ver no seu jeito. Aquilo seria mais difícil do que pensara. A menina era bem diferente das outras pessoas com as quais ele já lidara, ele pensou em algo sobre ter muita paciência. Mas o fato é aquilo o atraia, numa proporção bem maior do que o irritava. Sorriu de novo, com seu jeito encantador.
            - Por que você tá sorrindo? Eu disse pra você não rir de mim!
            - Eu não to rindo de você. Foi uma reação espontânea, só isso.
            Ela sentiu as pedras do seu muro se quebrarem cada vez mais. E o sorriso dele causou um tremor enorme na fortaleza blindada. Como isso era possível? Já tinha passado por testes antes e o muro não se abalara e agora ele parecia cair de uma vez só. Não tinha muita certeza se gostava disso, na verdade, tinha sim. Mas admitir era um passo perigoso demais. Ele tinha surgido na sua vida e colocado o mundo de cabeça pra baixo, ela não tinha controle de nada. Era isso que assustava.
            Ele não sabia muito bem como lidar com tudo. Às vezes não entendia o que ela dizia ou fazia. Aos poucos ia descobrindo um pouco sobre ela. Ele era persistente. A determinação era seu ponto forte, trabalhara essas características desde muito novo. E ele não queria desistir agora, pois acreditava que era capaz de cumprir essa missão, mesmo com mil e um obstáculos. Mas não queria insistir em algo se não fosse correspondido.
            - Olha, se você quiser eu vou embora.
            - Você quer ir embora?
            - Não. Mas me diz o que você quer. Você quer que eu vá?
            - Não. Quero que você fique.
            Ele talvez nem desconfiasse, mas para ela dizer isso foi um avanço enorme. Ela sempre pensara demais nos outros, na felicidade dos outros, no bem estar dos outros. Nunca impunha sua vontade sobre isso. Nunca dizia o que de fato o que queria talvez isso fosse um problema geral das mulheres, não só dela. Mas sentiu-se contente por isso, não havia doído nem um pouquinho se expressar assim.
            Ele sorriu de novo. Com o sorriso mais lindo que tinha. E os olhos brilharam, os olhos rasos de bondade e alegria. E profundos de um mistério que talvez ainda fosse descoberto. Era uma glória ouvir aquilo. Toda a sua irritação passou. Estava aprendendo a lidar com isso também. Por vezes não gostava nada do resultado, mas em alguns momentos se surpreendia. E ele gostava das boas surpresas.
            - Eu gosto de você, apesar de você me dar muitas patadas.
            - Eu acho que também gosto de você, apesar de você ser chato.
            Nos olhos dele brilharam uma pontinha de irritação. Ela já sabia o motivo.
            - Você acha?
            - Não, eu tenho certeza.

Gabriela Castro Lima Aguiar.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Num parque com flores, vida de amores

Dos que não dormem...

A curta história de Relógio