Álvaro Vince, sem roteiros (Parte III)


As ruas da cidade estavam quase vazias. Eram poucas as que pessoas circulavam tarde da noite, ele pensou. Provavelmente seria por isso que aquele fosse seu horário preferido para dar uma volta.
A cidade tinha mesmo um tom melancólico. O barulho do vento assoviava ao balançar as portas de ferro de algumas casas aparentemente abandonadas. Se acrescentasse um uivo, com certeza seria a descrição perfeita de um filme de terror. Desses em que vítimas são perseguidas e conduzidas pelo seu algoz sem nem perceber e quando se dão conta, a morte é uma certeza.
Sorriu irônico. Deveria colocar o velho Getúlio numa armadilha dessas. Só para ter certeza de se o coração dele aguentaria uma dose extra de sustos e adrenalina. Mas o velho estava mais para o “caçador”, do que para vítima. Ah, isso ele nunca seria de verdade, “a vítima”.
Caminhou até uma pracinha iluminada. Banquinhos de madeira estavam espalhados perto de grandes árvores. Alguns jovens veriam aquilo como romantismo, um lugar ideal para declarar-se ou só para pensar sobre essas idiotices de amor. Ele só via solidão.
Sentou-se num banco. Cruzou as mãos. Respirou fundo e olhou para o céu. Já fora um jovem assim. Acreditara em amor. Mas deixara tudo para trás, quando decidiu ter uma nova vida. No início sentiu um pouco de falta da namoradinha, mas depois se acostumou. Ela também deveria ter ficado muito bem, nunca o procurara.
Não tiveram mais notícias um do outro, sinal de que amor não é isso que as pessoas pensam. Não foi difícil para ele ir embora e nem fora difícil para ela deixá-lo ir. Era só costume, apego. Não precisavam um do outro. E ele estava bem assim.
Fechou os olhos. Podia ouvir e sentir melhor o lugar. Sua nova história se passaria ali. Já tinha uma breve ideia de como começar e em que lugar seria a primeira cena. Soltou a respiração pesada. O frio estava aumentando.

Ouviu um estrondo. Sentiu a cabeça rodar. Caiu desacordado no chão.

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