Álvaro Vince, sem roteiros - Parte VI



Seus olhos estavam vidrados no horizonte. Ela tinha plena consciência de que estava novamente exigindo demais de si, mas não conseguia parar. Continuava a traçar metas e fazer cálculos minuciosos dentro da cabeça. A vista era um emaranhado de cinzas... Prédios, tempo fechado, pessoas apressadas e mau humoradas.
Tamborilou os dedos três vezes na grande mesa de vidro. Anotou algumas poucas observações. Sentia que aquele negócio iria fluir, como todos os outros que havia administrado, mas não estava tão disposta a tomar as rédeas dele. Sentia-se cansada. A palavra exaustão descreveria melhor.
 Esfregou os dedos sobre as têmporas fechadas e tentou lembrar-se onde havia guardado seus remédios para a dor de cabeça. O médico havia lhe receitado centenas deles, mas alertou que nenhum faria tanto efeito quanto alguns dias de folga. Ela sorriu laconicamente. Nem se lembrava qual fora a última vez que tirara férias. Talvez fosse mesmo o momento certo para isso.
Para onde iria? Passava tanto tempo da sua vida submersa no trabalho que não tinha planos para lazer. As únicas viagens frequentes que fazia eram para visitar a mãe no interior. Provavelmente passaria por lá antes de escolher seu destino, talvez até conseguisse arrastar Dona Laura com ela. Quem sabe?
Terminou de fazer suas anotações. Comunicou a secretária que ficaria ausente por uns dias. Delegou funções para os seus assistentes. Dentro de algumas horas deixaria a empresa com tudo encaminhado para a sua ausência. Amanhã mesmo pegaria a estrada para encontrar a mãe. Respirou fundo. Pensou em tranquilidade.

A mãe recebeu-a com uma mesa farta de gostosuras. Seu retorno para casa era sempre uma festa. Adriana sentia-se feliz. Ficar um tempo com a mãe era um conforto enorme para compensar os longos dias solitários que passava na cidade grande.
Deus sabe o quanto tentou convencer a mãe a morar com ela, mas Laura não se adaptava bem ao ritmo da cidade, no máximo passava alguns dias apenas para visitá-la. No início ficara preocupada por a mãe ficar sozinha, mas agora Laura tinha João... E ele fazia muito bem a ela.
Estava sentada em uma cadeira de balanço na varanda.  Apreciava o som dos pássaros e a vista para um grande campo verde. Olhou para a casa ao lado e encheu-se de lembranças, boas e ruins.
           
- Ele nunca mais apareceu por aqui – A mãe pareceu adivinhar seus pensamentos.
Ela sorriu sem muita franqueza. Há muitos anos só o via pela televisão. Na infância haviam sido melhores amigos, na adolêscência namorados e confidentes. Pensou que ficariam juntos para sempre até que um dia ele sumiu sem deixar nenhuma notícia. Quando apareceu novamente foi na televisão, dando entrevistas sobre um filme que havia escrito e fez muito sucesso.

Adriana havia ficado muito magoada. Por um tempo ainda tentou encontrá-lo, mas depois desistiu. Álvaro não queria ser achado. Respirou fundo. Mesmo depois de tantos anos alguma coisa doía quando esse assunto surgia.

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