Conto de olhos nublados e coração cego
Pegou o seu Machado de
Assis. Ficou divagando sobre a vida enquanto passava os dedos vagarosamente
sobre a capa. Abriu o livro na página que estava marcada, mas não conseguiu
formar sequer uma palavra na sua cabeça. As letras pareciam estar todas
embaralhadas. Olhava para o papel e não via a história, nem a mão, nem a luva.
Continuou com o livro
aberto, entretanto já não tentava mais ler. Deixou que seus pensamentos lhe
guiassem. Há muito queriam fazer isso. Uma lágrima caiu dos seus olhos. Não se
preocupou em limpá-la, pois ninguém veria. Ela estava sozinha em casa.
Tinha a personalidade
inquieta e sorriso fácil. Gostava bastante de conversar, mas hoje não queria
que as palavras saíssem da sua boca, preferia guardá-las ou se pudesse preferia
esquecê-las.
Fez o que jurara para
si mesmo não fazer. Mas quem nunca? Quem nunca quebrou um juramento? Dissera
para si mesmo que não se arrependera e que fora uma boa escolha. Entretanto,
bem no fundo (talvez nem tão fundo assim), ela estava amargamente arrependida
de não ter cumprido seu juramento.
Lembrou-se de Cora Coralina: “coração é terra
que ninguém vê”. O choro aumentou e as lágrimas ficaram incontidas. Seu coração
estava doendo, pelo menos era o sinal de que possuía um. Mas e a outra pessoa?
Sentiria algo? Lhe olharia de uma maneira diferente? Para falar a verdade, nem
tinha mesmo certeza se a outra pessoa possuía um coração.
Enxugou as lágrimas que
já lhe embaçavam a visão. Decidiu que seria mais forte. Voltar atrás numa
decisão seria mais difícil do que quebrar um juramento? A resposta só viria com
o tempo.
Respirou fundo e tentou
lembrar-se de que pelo menos aprendera. Errara, mas aprendera. E isso
(provavelmente) não se repetiria. Tinha a sua vida para cuidar. Estava quase
alcançando sucesso profissional e ela sabia que iria além. Potencial nunca lhe
fora escasso.
Na manhã seguinte o sol
iria anunciar o novo dia e com ele novos planos...
Recebeu uma mensagem
amiga, que lhe fez despertar do transe dos seus próprios sentimentos. Sentiu-se
confortada. Como seu melhor amigo parecia sempre saber quando ela precisava?
Colocou um esboço de
sorriso no rosto. O coração se acalmara. Pegou o livro novamente e voltou a ler
de onde havia parado: “Mas esta cólera apaziguou-se, e o coração venceu o
coração”.
Ah, Machado de Assis...
Precisava mesmo ler isto agora!
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