Praia do Arqueiro
Dirigi no automático
por mais ou menos duas horas, ou pelo menos eu achei que tivesse sido. Só fui
me dar conta de para onde eu estava indo quando cheguei no local. Uma espécie
de refúgio para algumas aves perdidas e para almas que erraram o caminho. Mais
almas do que aves.
Respirei fundo no banco
do motorista e contei até 10, mantendo o ritmo da inspiração e da expiração. Vi
através da camada fina de neblina que meus companheiros pássaros estavam mais
contentes do que eu. Isso era bom. Eles estavam alheios ao tempo. Fazia quase
uma semana que não se via o sol. Eu gostava de dias nublados, mas, às vezes, as
cores faziam falta.
Desliguei o carro e fui
de encontro ao mar. Não queria nem pensar no frio infernal que a água deveria
estar, entretanto, ela melhor pensar em qualquer coisa do que em pessoas. As
coisas não conseguiriam nos decepcionar, pelo menos não por vontade própria.
Olhei para as aves entretidas com os siris na areia.
A praia do Arqueiro lembrava o
abandono. Antigas construções de madeira que já tiveram seu auge, antes da
forte rebentação obrigar os donos de bares a procurarem outras praias para se
estabelecerem, agora eram habitadas por insetos e pelo barulho do vento. Perto
de mim havia uma canoa com o nome Isolda, a mercê do mundo. Pobre Tristão,
deveria estar repousando sozinho agora... Mas eu gostava dali, o motivo
aparente era me sentir como o lugar.
Coloquei as mãos dentro
dos bolsos e por um longo momento deixei que só a brisa entrasse em meus
pensamentos. Detestava a minha confusão, mas tinha muito mais raiva da certeza
infeliz dos outros. Principalmente quando eles não tinham nenhuma. Respirei de
novo e percebi que agora o mar beijava os pés de Isolda. Há tanto tempo que eu
ia naquele lugar e ela estava sempre lá. Entretanto, nunca vi seu comandante,
se é que tinha um. Sorri de mim mesma e torci para que Isolda não fosse tão
infeliz ali.
Ouvi barulho de pneus
na estrada. Estremeci. A praia abandonada com certeza seria um ótimo lugar para
desparecimentos misteriosos. Apertei as mãos com força nos bolsos, mas não me
movi. Não iria sair do meu lugar, nem com o Jack me ameaçando com sua serra
elétrica.
O invasor com certeza
me incomodaria, tive certeza quando o carro foi estacionado. Não olhei pra
trás. Iria demonstrar claramente que não me importava com sua presença. A porta
do carro bateu e os passos vieram em minha direção. Gelei. Não era tão corajosa
assim, mas não me viraria em hipótese alguma.
- Você anda bem
corajosa – O alívio veio com a voz conhecida
- Você com certeza é a
coisa mais assustadora desse lugar.
Ele sorriu com minha
resposta e por um certo tempo não disse nada. Ficou ao meu lado, olhando para o
horizonte também. Provavelmente também estava com as mãos nos bolsos, mas eu
não olharia para checar. Não iria lhe dar esse gosto.
- Não gostei do seu
cabelo assim – Falou pra me provocar e quebrar o silêncio.
- Ótimo! - Não tive o
trabalho de olhá-lo, não iria lhe dar a satisfação de saber que me irritou.
Ele caminhou em direção
a canoa e entrou no meu campo de visão. Seu cabelo estava todo bagunçado, sem
corte algum e a barba estava enorme. As olheiras estavam proeminentes em seu
rosto. Nesse momento ele examinava a canoa com um certo ar de satisfação.
Sorriu para si mesmo e depois voltou a olhar para o mar.
- A velha Isolda
continua aqui, mesmo depois de tanto tempo. Continua do mesmo jeito. – Ao dizer
isso se virou para mim.
- E você está horrível!
– Eu falei ao observar melhor seu rosto.
- Você é sempre muito
gentil! – Ele sorriu – Mas a culpa do estrago é sua.
Roguei para os céus
paciência. Ele havia sumido da minha vida, sem dar satisfações por quase três
semanas, por ciúmes e por uma briga como consequência. Agora me culpava. A
coerência era extraordinária! E a minha vontade de enfiar aquele nariz em pé
pra dentro da sua cabeça, maior ainda. Eu poderia gritar tudo o que eu
quisesse, ele com certeza esperava isso. Mas ao invés de fazer o previsto,
fiquei calada. E consequentemente ele se frustrou.
- Não vai me perguntar
por onde eu estive?
- Não me interessa. –
Respondi friamente.
- Que mentira! Eu sei
que você andou falando com a minha mãe e com meus amigos. Mas pensei que queria
ouvir de mim. – Ele falou sério.
- Não me interessa
mais.
Ao falar isso dei meia volta e caminhei em
direção ao carro. Ou pelo menos tentei, já que ele segurou meu braço antes que
eu me afastasse o suficiente. Me virei automaticamente pelo impacto e meus
olhos foram de encontro a fúria do seu olhar. Mas o que mais me chamou atenção
foi a dor que latejava dentro deles. Algo que eu nunca tinha visto antes.
- Eu senti sua falta –
Ele me abraçou forte e segurou minha cabeça em seu ombro.
Ele deixou que me
afastasse. Inspirei o ar profundamente. Tinha demorado algum tempo para
construir uma máscara e adquirir frieza suficiente para que sua partida não
parecesse mais me incomodar. Mas era difícil quando ele estava perto. Eu já
sabia que seria, só não imaginava que tanto assim. Todo o meu esforço estava
indo pelo ralo, caindo na minha frente e não havia nada em que eu pudesse me
agarrar, exceto em acusações.
- Você age como um
adolescente rebelde ainda Yan. Fica com ciuminho, entende tudo errado e ao
invés de me perguntar as coisas, faz um monte de acusações falsas e depois vai
embora. Sem mais nem menos. – Desabafei.
- Me desculpe – Ele
pediu sinceramente- Eu sei que errei. Mas é porque você é tão independente, tão
cheia de si. Eu fiquei com medo de não ser o suficiente, de ter perdido para
aquele biólogo inteligente, legal e charmoso – Utilizou todo o sarcasmo
possível nessa última frase- Mas não quero discutir isso de novo. Porque o que
eu quero é você e vou atrás dos meus objetivos. E vou ser melhor, prometo!
- Ele é meu amigo. E é
inteligente e legal e charmoso, mas é só meu amigo. Eu estava com você!- Gritei
sem querer, me arrependi e fiz um esforço para manter a calma- Se a sua cabeça
não pensou nisso, nem por um segundo, lamento dizer, mas você é um imbecil!
- Eu sou um imbecil.
Mas vou consertar tudo isso. Pedirei desculpas ao seu amigo. E ficaria muito
feliz se você também pudesse me desculpar. Eu confio em você, só tive medo. Me
desculpe.
- Acho que você deveria
pedir mesmo – Estava desmoronando por dentro, precisava escapar dali, não iria
deixar que fosse tão fácil assim pra ele - Tenho que ir agora.
- De noite a gente
conversa. Vou levar você pra algum restaurante legal. – Ele estava bem sério
ainda, tinha medo em seu olhar.
Caminhei até meu carro
sem dizer nada. O barulho dos passos na areia tinha um ritmo diferente do canto
dos pássaros na beira do mar. Fui atormentada por cada pensamento sobre ele
durante 3 semanas. E agora o que significava tudo aquilo? Um esquecimento sobre
erros terrenos? Me virei para fitá-lo antes de ir embora. Ele estava parado,
com uma expressão infeliz no rosto. Tinha sofrido tanto quando eu, também fora
atormentado por lembranças. Era hora de acabar com isso, não iria levar a lugar
nenhum.
- Quero comer sushi –
Falei descontraída antes de entrar no carro.
- Então nós iremos –
Ele conseguiu sorrir- Obrigado!
Assenti com a cabeça e
entrei no carro. Fui embora sabendo exatamente para onde iria. Sorri. Fazia
algum tempo que estava só vagando por aí. Agora tinha um caminho novamente.
Gabriela Castro Lima Aguiar
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