Pré-julgando atenciosamente



Mexia apenas os olhos para direita. Sinal de que pensava furtivamente em algo que não deveria ter sido notado por ninguém. Depois de um tempo, quando não havia mais para onde ir, eles se deslocavam lentamente para esquerda, revendo tudo o que foi planejado. Era inadmissível ter falhas nesse sistema de avaliação. Talvez fosse um pouco imprecisa, mas no final das contas, sempre pronunciava as mesmas palavras, um “eu sabia” com o tom de maior desdém ou felicidade do mundo.
Ela tinha essa mania, que algumas pessoas julgavam muito feia, mas nada era feito para evitar. Toda vez que conhecia alguém novo ou que chamasse sua atenção, lá estava ela, traçando uma linha de raciocíonio sobre a vida da pessoa. Prestava bastante atenção, nos gestos, na forma de olhar, de falar e no sorriso. E por essas características obtinha o perfil do indivíduo, sem ao menos conhecê-lo direito. Uma diversão que ocupava seu tempo ocioso e uma distração para seus problemas mais eminentes.
Algumas, não raras, vezes ela formava pares. Combinava o estilo de uma pessoa com outra, analisava no que dariam certo e no que iriam diferir. Da mesma maneira refletia sobre o que eram capazes de fazer ou que o jamais cogitaria em realizar. Uma coisa bem divertida era quando alguém saia de dentro do previsível e a surpreendia. Nem sempre eram coisas boas, mas não deixavam de serem surpresas. Era um fator de que inibia ou aumentava a aproximação.
Existiam algumas piadinhas internas também, com comparações paupérrimas, mas que melhoravam seu humor. O que era de fato interessante, é que ela nunca deixou que suas análises interferissem no real conhecimento das pessoas. Procurava sempre ouvi-las antes de tomar qualquer atitude e o que “pré-julgava” guardava para si e em alguns casos dividia com os julgados.
Dificilmente errava completamente o que tinha absorvido sobre alguém. Em alguns casos, diferia bastante, mas nunca por completo. Alguma coisa na essência, no sorriso e na alma exposta através do olhar, sempre estava certa. E provavelmente disponível para quem quisesse observar, porém a maioria das pessoas tem outras ocupações egocêntricas que impossibilitam enxergar os outros.
Essa sua brincadeirinha de interpretar ajudava bastante em sua relação com outras pessoas, porque não era nem preciso perguntar o que acontecia, ela já podia supor. E não era uma questão de preconceito e falsas insinuações, até porque com o tempo e convívio tudo seria esclarecido, era uma maneira de preocupação  com o bem estar do próximo. Uma coisa absurdamente necessária nesse mundo carente de atenção.

Gabriela Castro Lima Aguiar

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